A história do empregado (a) doméstico (a) remete a colonização do Brasil, época em que o país era habitado por imigrantes e nativos. Quando o cultivo de cana de açúcar começou a ser disseminada no país a mão de obra era escassa, começa então o contrabando de mão de obra escrava vindo da África para trabalhar em diversas atividades, sendo uma delas era para o trabalho doméstico. Existiam as negras das senzalas que não entravam na casa grande (caso dos donos das fazendas), ou muito pouco, enquanto as escravas que trabalhavam como empregadas domésticas eram as escravas que tinham uma feição melhor, e suas vestes eram diferentes das usadas pelas escravas das senzalas, pois não só seriam vistas pelos senhores, mas também por suas visitas. O trabalho doméstico era considerado na época um serviço mais leve, eram as chamadas mucamas ou ama de leite. A resolução nº 62 de 1886 da Câmara Municipal da Capital cita pela primeira vez a atividade de empregado (a) doméstico (a) em seu artigo 1º[1] (Resolução nº 62, de 21 de abril de 1886 – Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), em 1936 Laudelina de Campos Mello cria a Associação das empregadas domésticas do Brasil[2] e somente no ano de 1972 com a lei 5.859[3] foi reconhecida a profissão de empregado(a) doméstico(a) no Brasil, onde regulamentava sobre férias, FGTS (que era facultativa a inscrição), contribuição para INSS, salário desemprego, entre outras.
No ano de 2013 houve a aprovação da Emenda Constitucional 72 decorrente da conhecida PEC das domésticas, que foi regulamentada pela Lei Complementar 150 de 2015. Desde 1943 outras classes trabalhadoras tem seus direitos trabalhistas consolidados e para os trabalhadores domésticos foram 70 anos de luta para conseguirem o mesmo. Foi assegurado dentre os direitos trabalhistas a isonomia salarial, jornada de trabalho de 44 horas semanais, proteção contra a demissão sem justa causa, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego, estabilidade para a gestante, seguro contra acidente de trabalho, reconhecimento das convenções e acordos coletivos, entre outros.
Já se passaram mais de 10 anos da aprovação da emenda constitucional e percebe-se que ainda existem empregados(as) domésticos(as) que estão na informalidade. Em pesquisa feita pelo IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua, em 2013 as trabalhadoras domésticas com carteira assinada eram de 30,4% e em 2022 o porcentual era de 24,7%. Importante trazer alguns números para entendermos qual a realidade do Brasil e verificar que por maior que tenha sido o interesse em trazer formalidade e segurança a essas pessoas não foi o que aconteceu. Em sua maioria são mulheres que trabalham como domésticas, a porcentagem de homens é ínfima, em torno de 8,6% em 2022 enquanto as mulheres correspondem a 91,4%. Os homens geralmente trabalham como motoristas, jardineiros, manutenção em piscinas etc.
Após a publicação da lei das domésticas em 2015 a contratação de domésticas mensalistas foi diminuindo ao longo dos anos, não só pela carga financeira, que fez com que os empregadores optassem por contratar diaristas, mas também pela pandemia, cenários econômicos e políticos do país.
Entre 2013 e 2021 cresceu a porcentagem de diaristas no mercado de trabalho, foi de 37,5% para 46,2% e a maior alta foi exatamente entre 2015 e 2017, logo após a promulgação da lei das domésticas. As diaristas não contam com a proteção dos direitos trabalhistas e nem sociais. As empregadas domésticas que são dispensadas e precisam se manter no mercado de trabalho, se sustentando e sustentando sua família, acabam trabalhando como diaristas.
As mulheres que trabalham como diaristas na maioria das vezes recebem entre R$120 e R$180 a diária, se fizerem 5 diárias na semana receberão no final do mês entre R$2400,00 e R$3600,00, o que equivale a mais que um salário-mínimo da categoria[4] que varia de estado para estado, mas que parte de R$1.412,00, salário-mínimo nacional, e chega a R$1.927,02 no Paraná. Por ser diária, a mulher pode reduzir o tempo trabalhado, podendo ter outra profissão, como vendedora, por exemplo, ou ainda ter a chamada dupla jornada aonde a mulher chega em casa e ainda vai cuidar de seus afazeres domésticos, não que ela não tenha essa atividade se for registrada, mas pode aumentar seu descanso, já que chegará mais cedo em casa.
As tarefas poderiam ser executadas por seus companheiros, mas a grande parte dessas mulheres são mãe solo, ou seja, são responsáveis pela casa, pelos filhos e por todos os desafios diários. Mãe solo é um conceito onde a figura masculina pode até existir dentro de casa, mas toda a responsabilidade recai sobre a mulher. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), as mulheres trabalham cerca de 7,5 horas a mais do que os homens na semana, e isso se deve ao fato de sua jornada dupla de trabalho, entre emprego e atividades em seu próprio lar[5].
Se não fazem o pagamento da contribuição junto ao INSS como contribuinte individual autônoma ou como MEI, essas mulheres ficam invisíveis para o sistema sem ter proteção social alguma. E chegando aos 65 anos vão em busca da “aposentadoria para quem nunca contribui”, chamado BPC, benefício de prestação continuada. Esse benefício é erroneamente chamado de aposentadoria, pois na verdade ele é um benefício que tem direito somente pessoa idosa ou deficiente, que tenha em sua residência a renda familiar igual ou menor a ¼ de salário-mínimo por pessoa.
As diaristas para saírem da informalidade e pagar menos impostos acabam tornando-se MEI (Microempreendedor Individual), que foi criada exatamente com esse propósito.
Para o MEI, cujas contribuições e impostos são fixos, independentemente do faturamento, desde que este se mantenha dentro do limite anual de R$ 81 mil, a nova regra é aplicada. Em 2024, o valor do DAS-MEI variará entre R$ 71,60 e R$ 76,60, dependendo da natureza da atividade empreendedora.
Esse cálculo compreende a soma das tributações do INSS (correspondente a 5% do salário-mínimo), Imposto Sobre Serviços – ISS (acrescido de R$ 5) e Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Serviços – ICMS (acrescido de R$ 1).[6]
Nota-se que o valor pago como contribuição e impostos é sempre o mesmo – independente- do valor apurado ao final do mês de trabalho e com isso uma diarista que recebe, por exemplo, R$3.600,00 mês irá se aposentar com um salário-mínimo, em 2024, R$1.412,00. Mas não seria melhor haver uma distinção dessa classe e acrescer na lei complementar 128/2008 uma alíquota diferenciada, podendo ser paga sobre o que auferiu de renda? Por exemplo, uma alíquota entre 5 e 8%, sendo progressiva a depender do valor mensal, e podendo esse valor de salário contribuição ser contabilizado integralmente para o cálculo da aposentadoria, se assim fosse, a diarista que trabalhar por 15 anos contribuindo pela base de R$3600,00 receberia, nas regras atuais, um valor de R$2160,00.
As diaristas que estão na informalidade e não querem ou não conhecem essa possibilidade de se tornar MEI poderiam optar por essa condição tendo uma velhice mais tranquila e com dignidade. A arrecadação do governo e do INSS aumentaria, uma alteração desse porte traria resultados positivos para ambos os lados, e mais uma vez vale lembrar trazer, dignidade na velhice, principalmente para essa classe que tem, em grande parte, dupla jornada e sofre a depender do gênero que se enquadra. Milhões dessas mulheres seriam reconhecidas pelo sistema e sairiam da invisibilidade, o que mais uma vez, seria uma mudança extremamente positiva a todos, governo e sociedade. E por fim, com dignidade e respeito a essas mulheres podemos aos poucos quebrar o patriarcado histórico-cultural e estrutural que existe na sociedade.
Referências
BRASIL. Resolução nº62 de 21 de abril de 1886. Disponível em https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/resolucao/1886/resolucao-62-21.04.1886.html. Acessado em 18 de abril de 2024.
BRASIL. Fundadora do primeiro sindicato de trabalhadoras domésticas do Brasil, Laudelina de Campos Mello lutou por sua categoria durante 70 anos. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/04/27/fundadora-do-primeiro-sindicato-de-trabalhadoras-domesticas-do-brasil-laudelina-de-campos-mello-lutou-por-sua-categoria-durante-70-anos. Acessado em 18 de abril de 2024.
BRASIL. Decreto-Lei 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm. Acessado em 18 de abril de 2024.
BRASIL. Salário-mínimo doméstica 2024. Disponível em: https://www.idomestica.com/tabelas/salario-empregada-domestica#salario-minimo. Acessado em 22 de abril 2024.
BRASIL. Mãe solteira diferente de mãe solo. Disponível em: https://www.telavita.com.br/blog/mae-solo/. Acessado em 22 de abril de 2024.
BRASIL. Tributação do MEI. Disponível em: https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/ac/noticias/valor-do-das-mei-passa-por-mudanca-em-2024,2fca1e831522d810VgnVCM1000001b00320aRCRD. Acessado em 22 de abril de 2024.
[1] Art. 1.º – Criado de servir, no sentido desta postura, é toda a pessôa de condição livre, que mediante salario convencionado, tiver ou quiser ter occupação de moço de hotel, hospedaria ou casa de pasto, do cosinheiro, engommadeira, copeiro, cocheiro, hortelão, de ama de leite, ama secca ou costureira, e em geral a de qualquer serviço doméstico.
[2] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/04/27/fundadora-do-primeiro-sindicato-de-trabalhadoras-domesticas-do-brasil-laudelina-de-campos-mello-lutou-por-sua-categoria-durante-70-anos
[3] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm
[4] https://www.idomestica.com/tabelas/salario-empregada-domestica#salario-minimo
[5] https://www.telavita.com.br/blog/mae-solo/
[6] https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/ac/noticias/valor-do-das-mei-passa-por-mudanca-em-2024,2fca1e831522d810VgnVCM1000001b00320aRCRD